A Navegação Neoclássica do Comitê: Âncora das Expectativas e a Firmeza dos Juros

Prezados leitores,

A recente deliberação do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, divulgada na última quarta-feira, 18 de junho, constitui um ponto de inflexão no atual ciclo da política monetária e oferece rica matéria para análise sob o prisma da macroeconomia neoclássica. A elevação da taxa Selic em 0,25 ponto percentual, que a levou a 15% ao ano, e a subsequente indicação do término do ciclo de alta, são aspectos cruciais a serem examinados, especialmente considerando o tom resoluto (hawkish) empregado no comunicado oficial.

Na abordagem neoclássica, a política monetária é vista como um pilar essencial para a manutenção da estabilidade dos preços. Esta estabilidade é considerada uma condição sine qua non para o funcionamento eficiente dos mercados e para a promoção de um crescimento econômico robusto e duradouro. A taxa de juros, neste quadro teórico, transcende a função de simples custo de capital; ela opera como um instrumento primordial que influencia diretamente as decisões de poupança e investimento, a alocação ótima dos recursos produtivos e, de maneira crítica, a formação das expectativas dos agentes econômicos quanto à trajetória futura da inflação.

Um aspecto frequentemente enfatizado em análises macroeconômicas é a credibilidade da instituição monetária. A unanimidade observada na votação da última decisão do Copom é, nesse sentido, um fator que reforça essa credibilidade. Decisões consensuais tendem a transmitir uma imagem de consistência e determinação por parte do Comitê em relação ao cumprimento de seu objetivo primário – a estabilidade de preços. Isso contribui para mitigar incertezas e fortalecer a confiança dos agentes, que, sob a hipótese de racionalidade, ajustarão suas decisões com base nas expectativas sobre as ações futuras do Banco Central e seus impactos na inflação. A transição na liderança do Banco Central confere a essa coesão um peso ainda maior neste momento.

O teor do comunicado oficial destacou-se por sua firmeza inequívoca. O Banco Central reiterou que a orientação da política monetária deverá permanecer em um patamar “significativamente contracionista por período bastante prolongado”. A repetição dessa expressão no texto do comunicado não é fortuita; ela representa uma comunicação estratégica direcionada ao mercado. Da perspectiva neoclássica, essa comunicação clara e assertiva visa a gestão e o redirecionamento das expectativas desancoradas dos agentes. Quando os participantes do mercado internalizam a crença de que a inflação se manterá acima da meta estabelecida, essa expectativa é incorporada em suas negociações, contratos e decisões de precificação, criando um ciclo de realimentação que dificulta o retorno da inflação ao nível desejado. A manutenção da taxa de juros real em um patamar elevado por um tempo considerado suficiente é a forma de demonstrar o comprometimento com a meta inflacionária e, progressivamente, guiar as expectativas de volta para a âncora de 3%.

Considera-se que um dos principais elementos que fundamentaram essa postura mais dura do Comitê foi, de fato, a persistência da desancoragem das expectativas inflacionárias, em particular aquelas projetadas para os anos a partir de 2026. Projeções compiladas periodicamente indicam que as expectativas de inflação para 2025, 2026, 2027 e 2028 (com valores como 5,25%, 4,5%, 4% e 3,85%, respectivamente) continuam situadas acima da meta de 3% ao longo de todo o horizonte relevante para a condução da política monetária. A ênfase na análise de 2026 e anos subsequentes decorre do reconhecimento de que as ações de política monetária operam com defasagens; ou seja, seus efeitos plenos sobre a inflação só se manifestam após um determinado período. Uma decisão tomada hoje influenciará de forma mais marcante a inflação no médio e longo prazo.

Um desafio intrínseco a esse cenário é que, mesmo diante de um patamar de juros considerado restritivo, as expectativas ainda não exibem sinais contundentes de convergência em direção à meta. Esse fenômeno pode ser interpretado tanto como uma dificuldade percebida pelo mercado em relação à capacidade do Banco Central de conduzir a inflação para o nível de 3%, quanto, sob uma ótica mais crítica na escola neoclássica, uma percepção de erosão da credibilidade. A preservação da confiança na política monetária, portanto, exige que o Comitê sustente uma postura firme até que as expectativas se mostrem solidamente alinhadas com a meta.

A indicação de interrupção no ciclo de alta dos juros não deve ser interpretada como um relaxamento iminente da política monetária. Ao contrário, essa pausa permite ao Comitê o tempo necessário para “examinar os impactos acumulados do ajuste já realizado, ainda por serem observados”. Essa abordagem é vista como uma estratégia prudente na gestão dos riscos: antes de considerar novos incrementos, avalia-se o impacto total das medidas já implementadas sobre a atividade econômica e a dinâmica inflacionária, levando em conta o tempo que as ações de política monetária levam para se disseminar pela economia.

No plano internacional, reitera-se a atenção às incertezas globais. As decisões de política comercial e fiscal de grandes economias, a condução da política monetária pelos seus respectivos bancos centrais (como o Fed nos Estados Unidos) e a potencial combinação de inflação elevada com desaceleração da atividade – caracterizando um quadro de estagflação – criam um ambiente externo desafiador que pode reverberar na economia doméstica. A decisão do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc) de manter as taxas de juros em seu patamar atual, como amplamente antecipado, reflete essa cautela global.

Internamente, aponta-se para a percepção de “sinais de moderação no crescimento”, o que, em tese, poderia ser interpretado como uma evidência de que a política monetária restritiva está surtindo efeito ao arrefecer a demanda agregada. No entanto, a manutenção de algum dinamismo no mercado de trabalho e em certos indicadores de atividade sugere que os efeitos das políticas monetárias e a absorção dos choques ainda estão em processo. Isso reforça a justificativa para a persistência do aperto monetário por um período estendido, aguardando a materialização completa dos efeitos defasados.

Os riscos para a inflação, conforme avaliado pelo Comitê, permanecem em patamar “mais elevado do que o usual”, sem alterações substantivas em relação à reunião anterior. Além dos fatores de curto prazo, a análise econômica frequentemente destaca a importância de monitorar o risco fiscal. Sob a perspectiva neoclássica, a trajetória da dívida pública é um fator crucial para a sustentabilidade macroeconômica de longo prazo. Uma trajetória percebida como insustentável pode comprometer a credibilidade da política monetária, dificultar a ancoragem das expectativas inflacionárias e gerar volatilidade na precificação dos ativos financeiros.

As projeções inflacionárias divulgadas pelo Banco Central para 2025 (4,9%) e 2026 (3,6%) – mesmo a projeção para 2026 situando-se acima do centro da meta de 3% – sublinham a visão de que o cenário ainda demanda prudência e a manutenção de uma postura restritiva.

Para a próxima reunião do Comitê, a expectativa generalizada é de que a taxa básica de juros seja mantida em 15% ao ano. Essa decisão é considerada adequada neste momento, pois o patamar atual da Selic já é percebido como bastante restritivo. A fase atual exige a observação atenta dos efeitos ainda a se manifestar da política monetária sobre o hiato do produto (indicador da capacidade ociosa da economia), sobre as projeções e, fundamentalmente, sobre as expectativas inflacionárias.

Considera-se, por fim, que a taxa Selic deverá permanecer no patamar de 15% ao ano até o primeiro trimestre de 2026. Para o ano seguinte, com a expectativa de uma maior desaceleração da atividade econômica, o fechamento do hiato do produto e o horizonte relevante da política monetária já incorporando 2027 (quando se projeta que a inflação esteja mais próxima da meta), o Banco Central poderá iniciar o ciclo de redução da taxa de juros, que, segundo projeções, poderia encerrar 2026 em torno de 13% ao ano.

Em síntese, a decisão do Copom e o teor de seu comunicado refletem o compromisso com o controle da inflação por meio de uma política monetária firme e da gestão da credibilidade e das expectativas. O desafio persistente é assegurar que as expectativas inflacionárias para o horizonte relevante convirjam de forma estável para a meta, permitindo que a economia opere em seu potencial sem gerar pressões inflacionárias indesejadas – uma condição vista como fundamental para a promoção da estabilidade e do crescimento sustentável no longo prazo. A vigilância constante sobre os desdobramentos no cenário internacional e a disciplina fiscal são elementos cruciais nesse processo.

Reiter Ferreira Peixoto, Administrador, pós-graduado e graduando em Ciências Econômicas, Consultor de Valores Mobiliários (consultor de investimentos) homologado pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM.

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Reiter Peixoto